Resenha: "A abolição do homem" de C.S. Lewis
- ICE JG
- 11 de abr.
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Clive Staples Lewis, conhecido universalmente pelas iniciais C. S. Lewis, nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 29 de novembro de 1898. Educado inicialmente em casa, posteriormente frequentou escolas tradicionais inglesas, e sua formação acadêmica consolidou-se na Universidade de Oxford, onde se destacou como um brilhante estudioso das literaturas clássica e medieval. Durante sua vida acadêmica, tornou-se fellow e tutor de literatura inglesa no Magdalen College, Oxford, cargo que ocupou por quase trinta anos. Em 1954, foi nomeado para a cátedra de literatura medieval e renascentista da Universidade de Cambridge, no Magdalene College.
Lewis foi também conhecido por sua conversão ao cristianismo, após um período de ceticismo, e por sua amizade com J. R. R. Tolkien, com quem compartilhou debates intelectuais intensos sobre fé, mitologia e literatura. Sua obra é extensa e diversa, abrangendo desde apologética cristã, como Cristianismo Puro e Simples, até romances fantásticos, como As Crônicas de Nárnia, e ensaios filosóficos e literários. C. S. Lewis faleceu em 22 de novembro de 1963, deixando um legado duradouro no campo da literatura, da teologia e da filosofia moral.
Publicado em 1943, A Abolição do Homem é uma das obras mais densas e influentes de Lewis, voltada para a defesa da moral objetiva em face do relativismo ético moderno. O livro, originalmente uma série de palestras proferidas na Universidade de Durham, desenvolve-se em três ensaios: "Homens sem Peito", "O Caminho" e "A Abolição do Homem".
No primeiro ensaio, "Homens sem Peito", Lewis critica um livro didático que, sob a pretensão de promover o pensamento crítico, acaba por minar os fundamentos da moral objetiva. Ele argumenta que, ao desacreditar as emoções como portadoras de valor verdadeiro, forma-se uma geração de seres humanos que não possuem uma disposição correta diante do mundo. O autor denomina essa perda de senso moral como a formação de "homens sem peito" — aqueles que, embora possuam razão e instinto, carecem do centro afetivo que permite harmonizá-los, ou seja, o "peito".
O segundo ensaio, "O Caminho", aprofunda a defesa da moral objetiva, a qual Lewis chama de Tao, conceito que ele empresta da filosofia chinesa, mas que aqui representa a tradição moral universal compartilhada pelas grandes culturas e religiões. Lewis demonstra que todas as tentativas de fundar uma moral fora desse Tao resultam em contradições e na destruição da própria noção de valor. Ele defende que a educação deve visar a formação de pessoas virtuosas, não meramente informadas ou críticas em sentido cínico.
No terceiro e último ensaio, "A Abolição do Homem", Lewis especula sobre as consequências últimas da negação da moral objetiva. Segundo ele, o domínio total da natureza pelo homem, quando não submetido ao Tao, resultará no domínio de uns homens sobre os outros, mediante o uso de tecnologias e de manipulação psicológica. Ele antecipa, com admirável clarividência, os perigos do cientificismo e da engenharia social, que podem culminar na degradação da própria natureza humana. Assim, a "libertação" do homem das amarras tradicionais pode significar, paradoxalmente, sua abolição.
A principal virtude de A Abolição do Homem reside em sua capacidade de articular, com rara lucidez e profundidade, uma defesa do valor objetivo num contexto cultural cada vez mais inclinado ao subjetivismo e ao relativismo moral. Lewis não apela a argumentos confessionais ou teológicos sectários, mas constrói uma argumentação racional, baseada na observação da experiência humana e da tradição filosófica universal.
Sua inteligência filosófica manifesta-se especialmente na recuperação do conceito de Tao como expressão de um consenso moral perene e transcultural. Lewis evidencia que esse "código de valores comuns" não é uma construção arbitrária, mas uma resposta da razão humana à estrutura do real. Ao rejeitá-lo, o homem não se emancipa, mas se priva do solo normativo a partir do qual pode discernir o bem do mal.
A obra também demonstra aguda sensibilidade cultural e histórica. Escrevendo em meio à Segunda Guerra Mundial, Lewis pressente as ameaças totalitárias e tecnocráticas que se avolumam no horizonte da modernidade. Seu alerta contra a redução do homem a mero objeto de manipulação encontra ressonância nas discussões contemporâneas sobre bioética, transumanismo e inteligência artificial. A obra, assim, conserva notável atualidade.
Outro mérito notável é a elegância do estilo, que combina clareza expositiva, vigor argumentativo e sutileza irônica. Lewis consegue tratar de temas filosóficos profundos sem recorrer a jargões acadêmicos, tornando-se acessível a leitores cultos, mas não necessariamente especializados. Sua prosa revela um autor que pensa com paixão e escreve com sobriedade.
Ademais, a obra possui valor pedagógico inegável. Seu exame da educação moderna, particularmente no primeiro ensaio, denuncia o empobrecimento moral de um sistema que valoriza a informação em detrimento da formação. Lewis insiste na necessidade de cultivar afetos ordenados, pois não basta saber o que é o bem: é preciso amá-lo. Esse imperativo ressoa profundamente em tempos de crise educacional.
A Abolição do Homem é uma leitura essencial para todos os que se preocupam com os destinos da civilização ocidental, com a educação das futuras gerações e com a integridade da natureza humana. Sua combinação de rigor filosófico, senso histórico e apelo à sabedoria tradicional oferece um antídoto poderoso contra os reducionismos morais e culturais do presente.
Mais do que um tratado filosófico, este pequeno livro é um clamor pela preservação da dignidade humana. Por isso, recomenda-se vivamente sua leitura a educadores, estudantes, pais, pensadores e todos quantos desejem compreender os fundamentos morais sem os quais não é possível construir uma sociedade verdadeiramente humana. Trata-se de uma obra que, apesar de sua brevidade, oferece alimento duradouro à mente e ao espírito.
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