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Taças e suas representações

  • Foto do escritor: ICE JG
    ICE JG
  • 18 de abr.
  • 4 min de leitura
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A celebração do Pessach é uma das festas mais antigas e ricas da tradição bíblica. Suas raízes estão profundamente fincadas na narrativa do Êxodo, quando Deus libertou os israelitas da escravidão do Egito. Ao longo dos séculos, essa celebração foi se desenvolvendo em detalhes e simbolismos, tanto no judaísmo quanto, mais tarde, no cristianismo. Entre os elementos mais marcantes da celebração do Sêder de Pessach - a ordem ritual da noite pascal - estão as quatro taças de vinho, cada uma representando uma promessa feita por Deus ao Seu povo.


Mas como surgiram essas quatro taças?

O que elas significam?

E por que foram incluídas nessa celebração tão importante?


A resposta está nas palavras poderosas encontradas em Êxodo, onde Deus declara quatro ações redentoras em favor de Israel. A tradição rabínica viu nesse trecho a estrutura de uma libertação progressiva, e a partir dele nasceu o costume das quatro taças.


O texto de Êxodo 6.6-8 registra palavras de Deus a Moisés, que deviam ser anunciadas ao povo ainda escravizado no Egito:


“Portanto, dize aos filhos de Israel:Eu sou o SENHOR, e vos tirarei de debaixo das cargas do Egito,e vos livrarei da sua servidão,e vos resgatarei com braço estendido e com grandes manifestações de julgamento.Tomar-vos-ei por meu povo e serei vosso Deus;e sabereis que eu sou o SENHOR, vosso Deus, que vos tiro de debaixo das cargas do Egito.”


Os rabinos antigos notaram que essas quatro expressões - vos tirarei, vos livrarei, vos resgatarei, vos tomarei - indicam não apenas ações pontuais, mas fases distintas da redenção divina. Com base nisso, a liturgia do Pessach passou a incluir quatro taças de vinho, cada uma correspondendo a uma dessas promessas. Cada taça marca um momento específico do Sêder e convida os participantes a refletirem sobre o caráter e a obra do Deus libertador.


A Primeira Taça: Santificação - "Vos tirarei de debaixo das cargas do Egito"


A primeira taça é chamada de Taça da Santificação (Kidush). Ela representa o início da obra de Deus em separar o Seu povo das influências opressoras do Egito. Neste momento, Deus não apenas alivia o sofrimento, mas começa a estabelecer uma nova identidade para Israel, santificando-o - ou seja, separando-o para um propósito sagrado.


Ao beber desta taça, a comunidade reconhece que a redenção começa com o chamado divino. É Deus quem dá o primeiro passo para libertar, purificar e redirecionar o Seu povo. É também com esta taça que se inicia formalmente o Sêder de Pessach, marcando a noite como distinta e santa.


A Segunda Taça: Libertação — "Vos livrarei da sua servidão"


A segunda taça é a Taça da Libertação (Maggid), tomada após a narrativa do Êxodo ser lida e explicada. Aqui se relembra que Deus libertou o povo da escravidão física e da servidão aos egípcios. Essa taça é tradicionalmente associada à parte da cerimônia em que se conta a história da saída do Egito, com a participação ativa dos filhos e da família.


Essa fase da libertação é mais do que geográfica ou política. Trata-se de uma libertação existencial: o povo deixa de ser escravo para tornar-se livre. A taça, portanto, é símbolo de vitória sobre a opressão, um lembrete de que Deus ouve o clamor dos que sofrem e age com poder.


A Terceira Taça: Redenção — "Vos resgatarei com braço estendido e com grandes juízos"


A terceira taça é a Taça da Redenção. Ela é considerada o momento mais sagrado da noite do Pessach, pois se relaciona com o sacrifício do cordeiro pascal e a libertação espiritual. Esta taça foi, segundo os Evangelhos, a mesma que Jesus tomou ao instituir a Ceia do Senhor (Lc 22.20; 1Co 11.25), dizendo: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue”.


No contexto bíblico, a palavra “resgatar” carrega a ideia de pagar um preço para libertar alguém da escravidão - conceito fundamental que será plenamente cumprido no Messias. A terceira taça, portanto, aponta para o sacrifício substitutivo e a redenção definitiva operada por Deus.


Para os cristãos, essa taça tem profundo significado messiânico: ela conecta o sacrifício do cordeiro no Egito com o sacrifício de Cristo na cruz, ambos realizados para resgatar um povo para Deus.


A Quarta Taça: Celebração — "Tomar-vos-ei por meu povo e serei vosso Deus"


A quarta taça é chamada de Taça da Celebração (ou da Consagração). Ela é tomada no final do Sêder, simbolizando a consumação da promessa divina: Deus não apenas liberta, mas acolhe o povo como Sua propriedade exclusiva. A relação agora é de aliança, comunhão e intimidade.


Essa taça é marcada por louvor, salmos e cânticos, pois é a resposta do povo à bondade de Deus. É provável que seja essa a taça que Jesus tenha deixado de beber, reservando-a para a grande celebração futura no Reino de Deus (cf. Mt 26.29). Isso revela uma dimensão escatológica: há uma taça reservada para o banquete do Reino, quando a redenção será plena e eterna.


As quatro taças do Pessach não são invenções tardias ou meros adornos rituais. Elas nascem da leitura atenta da Palavra de Deus e refletem etapas da ação redentora do SENHOR.


Cada taça é um lembrete de que Deus intervém na história, liberta o oprimido, redime com amor e chama o povo para Si.


No contexto da nova aliança, os cristãos veem nessas taças uma ponte entre o Êxodo e a obra de Cristo, entre a libertação física e a redenção espiritual, entre a antiga aliança e a nova. Celebrar o Pessach com essas taças é, portanto, mergulhar nas promessas eternas de Deus - com memória, fé, esperança e louvor.


Assim, enquanto celebramos, aguardamos com alegria o dia em que beberemos com o Messias o cálice final, na mesa do Reino de Deus. Até lá, seguimos proclamando: “Cristo, nosso cordeiro pascal, foi sacrificado. Por isso, celebremos a festa” (1Co 5.7-8).

 
 
 

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