top of page
D_NQ_NP_821304-MLB53322865151_012023-O.webp

17

Educação: Décimo quinto princípio fundamental do governo hebraico

Extraído do livro: A República Hebraica - Lei orgânica do Estado Hebreu de Enoch Cobb Wines. Tradução e Notas Inez Augusto Borges. (2ªed.) 2018. pp.85-94
 

O décimo quinto princípio fundamental do governo Hebraico era educação; a educação de toda a comunidade, especialmente no conhecimento da Constituição das leis e da história de seu próprio país.

 

Um povo ignorante não pode ser um povo livre. Inteligência é essencial para a liberdade. Nenhuma nação é capaz de se autogovernar se não for educada para compreender e apreciar suas responsabilidades. Em um governo republicano, todo o poder da educação é requerido². Fundamentado neste princípio Moisés estabeleceu sua República.

Não são muitos os detalhes contidos no Pentateuco sobre os arranjos para a educação do povo Hebreu. Estamos, portanto, em trevas em relação aos meios específicos que foram empregados. Até aqui, entretanto, é claro que a lei de Moisés requeria que os maiores esforços fossem empregados para moldar as mentes, os princípios, os hábitos e as maneiras dos jovens. Os pais eram continuamente comandados a ensinar a seus filhos, desde a infância, todas as palavras da lei e todos os gloriosos feitos da história nacional. Eles eram ensinados a falar com os filhos quando se assentassem em casa, quando andassem pelo caminho, quando se deitassem e quando se levantassem (Dt 6.7). Todo o sistema de legislação era permeado por ritos comemorativos e festivais. Como parte do significado das cerimônias e festivais, estava implícita a certeza de que as crianças iriam perguntar e investigar a razão dos ritos e era ordenado que a curiosidade fosse devidamente satisfeita pelas explicações dadas por seus pais (Êx 13.14-15).

 

A Páscoa os relembrava das maravilhas do Êxodo; o Pentecoste lembrava dos grandiosos esplendores que acompanharam a entrega da lei; a festa dos Tabernáculos fazia menção das durezas e milagrosos suprimentos no deserto; o monumento de pedras levantado em Gilgal, relembrava a separação das águas, quando da passagem de seus ancestrais pelo Jordão. Até mesmo as bordas de suas roupas, seus portões, os frontais entre os olhos e os lembretes nos umbrais das portas deveriam se tornar seus professores, por meio das leis e máximas que foram subscritas para eles (Dt 6.8-9).

É explícita, portanto, a exigência de que os pais Hebreus não apenas ensinassem seus filhos oralmente, mas que também transmitissem a eles a arte da leitura e da escrita. Considerando a ordem para que os pais escrevessem as leis e os estatutos, é também claro que eles deveriam, por si mesmos, aprender a arte da escrita e, considerando que sua escrita deveria ser útil para seus filhos, é evidente que os filhos devem ter sido ensinados na arte da leitura.

 

Há razões para acreditar que a habilidade de leitura e escrita foi uma conquista mais geralmente atingida pelos Hebreus do que por qualquer outro povo da antiguidade. Era assim, com certeza, no tempo de nosso Salvador. Em seus discursos para o povo, Ele geralmente apelava a eles em palavras como estas: "vocês não leram o que Moisés disse? Vocês não leram as Escrituras?"4. Esse tipo de linguagem implica na habilidade, por parte do povo, de examinar as Escrituras por si mesmo. A mesma coisa é indicada pelo fato, descrito pelo historiador evangélico, em relação à inscrição colocada sobre a cabeça de Jesus por ocasião da sua crucificação: "esse título foi lido por muitos Hebreus" (Jo 19.20).

Os escritos de Josefo estão repletos com testemunhos do grande cuidado dos Hebreus na educação de seus filhos. Ele diz, entre outras coisas que, antes de tudo, eles aprendiam as leis como a melhor forma de garantir sua felicidade futura e que o povo se reunia semanalmente para ouvir a leitura das leis e para aprendê-las de forma exata. Para coroar tudo isso, ele acrescenta, talvez de forma hiperbólica, que "se alguém apenas perguntasse a qualquer do nosso povo sobre nossas leis, ele diria todas mais prontamente do que diria seu próprio nome". Ainda, "é quase unânime entre os escritores Hebreus que as escolas eram encontradas em cada distrito, por toda a nação e sob os cuidados de professores bem conhecidos e honrados, tanto por seu caráter quanto por sua erudição",  

Maimonides, em seu tratado sobre o estudo das leis, diz:

"... todo Israelita, fosse pobre ou rico, sadio ou doente, velho ou jovem, é obrigado a estudar a lei e, mesmo se for tão pobre a ponto de ser mantido por caridade ou mendigando de porta em porta e se tenha esposa e filhos, ele deve consagrar algum tempo para meditação diurna e noturna na lei".

Ele pergunta "por quanto tempo um homem deve se dedicar ao estudo da lei?" e responde, "até a morte".

Uma importante função dos Levitas era superintender a educação do povo. As provas dessa proposição serão apresentadas no capítulo seguinte. Neste momento, eu meramente quero chamar a atenção, de passagem, para o fato de que, na reforma realizada por Josafá, este excelente príncipe agiu no verdadeiro espírito da instituição Mosaica, ordenando que os sacerdotes fossem por todo o país e ensinassem ao povo, cidade por cidade, as leis de Moisés (2Cr 13.8 e 9).

 

Como já mostrei no primeiro livro 5, muitos dos mais importantes princípios políticos de Platão foram emprestados do legislador Hebreu, mas, em nenhum outro ponto de sua República, Platão reflete, tão de perto, sua semelhança com a República Hebraica como neste, no qual ordenava que todos os cidadãos aprendessem as leis, de forma acurada.

  

Em total harmonia com o espírito das leis Mosaicas e, de fato, como um resultado natural de sua operação, seminários para estudos mais avançados, sob o nome de "escolas de profetas" foram introduzidos e estabelecidos entre os Hebreus. Essas instituições eram presididas por homens veneráveis por sua idade, caráter, habilidade e erudição. As notícias no livro sagrado sobre essas escolas são raras e isso tem ocasionado diversidade nas opiniões em relação a elas. Por causa de seus nomes, alguns conjecturam que elas eram lugares de instrução na arte da Profecia. Espinosa¹o tomou emprestado dos rabinos esta fantasia absurda e por meio dele, a mesma foi entregue a seus seguidores. Por causa disso, esses sagazes pensadores têm inferido que a profecia estava entre as artes práticas dos Hebreus, tanto quanto a carpintaria ou a escultura.  

Mas, podemos estar certos de que as escolas de profetas eram seminários de profetas, significando que apenas os homens melhor instruídos na lei divina estavam melhor preparados para comunicar os mandamentos de Deus ao povo e seriam, por esta razão, igualmente os que teriam mais chances de serem escolhidos pelo próprio Deus para este propósito. Esses homens eram considerados inspirados.

Em oposição à opinião de Espinosa, o Bispo Warburton argumenta¹¹ fortemente em defesa da opinião que as escolas de profetas eram seminários principalmente destinados ao estudo da lei dos Hebreus. É provável, entretanto, que elas não estavam totalmente restritas a este ramo de estudos, mas que também incluíam em seu escopo outros ramos do conhecimento reconhecidos como importantes entre os temas de estudo daquele tempo.

 

Tem sido comum, nos últimos séculos e provavelmente, também antes, quando os textos judaicos não eram valorizados, a prática de partir dos Gregos como sendo a fonte primária para todos os desenvolvimentos do pensamento humano, principalmente na área de governo. Neste trecho, Whines afirma com clareza que Platão "tomou emprestado" de Moisés muitas de suas mais importantes idéias políticas.

Essas escolas correspondiam às faculdades e universidades dos tempos modernos. Elas devem ter exercido uma poderosa influência sobre a mente e maneiras do povo Hebreu. Foi na escola dos profetas que Davi bebeu aquele amor pela religião e pelas leis civis de seu país, o qual brilhou tão intensamente em seu peito e inspirou tão admiráveis cânticos e poemas, que se tornaram uma copiosa fonte de bênçãos para sua nação e também deram a ele o título de "homem segundo o próprio coração de Deus" (At 13.22), não religiosa e moralmente, pois isso nenhum homem ainda chegou a ser, mas, como todo o escopo da passagem demonstra, o homem segundo o coração de Deus como um legislador, um homem imbuído do espírito e devotado à manutenção da Constituição nacional.

Havia uma peculiaridade no sistema Mosaico de educação que merece nossa atenção. Ela considerava seriamente o fato de que cada homem tem duas importantes responsabilidades: sua responsabilidade particular como agricultor, comerciante, advogado ou similar, e sua responsabilidade geral, a qual compartilha com todos os seus concidadãos; portanto, uma responsabilidade como homem e uma responsabilidade como cidadão.

A maior parte dos modernos sistemas de educação quase não nota essa distinção. Eles partem da pressuposição de que, se um homem aprende bem seu negócio e suas responsabilidades particulares, o conhecimento dos seus negócios e responsabilidades gerais virá por si mesmo ou será adquirido ao longo do caminho. Moisés não via dessa forma. Em vez disso, sua legislação mostra que para ele, cada homem deveria ser impulsionado a se tornar um mestre em seu negócio particular, ou seja, o negócio do qual depende o seu pão de cada dia e que o conhecimento do seu negócio geral, cuja falta é percebida com menos intensidade, deveria ser considerada como objeto de provisão legal.

Moisés planejou para que todo o seu povo partilhasse do gerenciamento dos negócios públicos. Ele queria que cada cidadão fosse um depositário do poder político. Entretanto, ele considerava o poder como uma solene responsabilidade e pensava que cabia ao legislador tomar o cuidado necessário para que qualquer ocupante de um cargo de responsabilidade soubesse como cumprir o seu dever.

 

Portanto, ao legislar sobre a questão da educação, ele primeiramente demonstra interesse em que seu povo seja instruído no conhecimento de seu negócio geral, isso é, de seus deveres como homens e cidadãos. Ele não pertencia à classe dos filósofos políticos que desejam ver a população excluída de todo poder político como se fossem sempre e em todas as circunstâncias, incapazes de exercer o poder. De igual modo, Moisés também não pertencia àquela classe que deseja ver o poder das massas sendo aumentado, não importando sua falta de habilidade para cumprir tão importante responsabilidade de forma benéfica à comunidade. Neste sistema educacional, poder e conhecimento deveriam estar lado a lado. A posse do conhecimento era considerada tão essencial quanto o direito de utilizar o poder.

Os antigos Romanos têm recebido os mais elevados louvores porque, conscientes da importância de compartilhar o conhecimento das leis com a nova geração, eles faziam das doze tábuas um dos primeiros elementos da instrução pública, exigindo que os jovens memorizassem seu conteúdo inteiro desde os primeiros anos de idade. Eles estavam sensíveis para o fato de que o que é aprendido nos primeiros anos de vida não será apenas relembrado por longo tempo, mas é quase certo que também será respeitado e venerado.

 

Entretanto, Moisés deu a este princípio maior relevância do que qualquer legislador Romano. A educação entre os romanos era meramente para as crianças das classes mais abastadas enquanto que a educação organizada por Moisés era para as crianças de todas as classes e condições. Era uma máxima fundamental de sua política que nenhum cidadão, nem mesmo o mais pobre, deveria crescer na ignorância. Quanta gratidão ele merece de todos os seres humanos por tão nobre lição! Na mesma proporção em que tal ideia entrar na Constituição do Estado, a tirania será destronada e a igualdade prática será estabelecida e conflitos partidários diminuirão sua ferocidade; o erro, a imprudência e a ignorância desaparecerão e a venerável, dignificada e bem informada opinião pública irá prevalecer.

Acima de tudo, é possível afirmar que em nenhuma parte da Constituição Hebraica a sabedoria do legislador resplandece com brilho mais genial do que no tratamento da educação da juventude. As provisões dessa Constituição sobre este ponto não podem ser consideradas a não ser como os ditames de um sábio, liberal e completo estadista, pois, certamente é desejável, no mais alto grau, que cada cidadão esteja familiarizado com as leis e Constituição de seu país.

 

Patriotismo é apenas um impulso cego se não estiver fundamentado no conhecimento das bênçãos as quais somos chamados a assegurar e dos privilégios, os quais nos propomos a defender. Apenas a ignorância política pode reconciliar os homens com a dócil rendição de seus direitos. Apenas o conhecimento político pode erguer uma barreira efetiva contra a diminuição dos direitos e contra o crescimento do poder arbitrário e da violência descontrolada.

 

A bela oração de Davi para que “nossos filhos sejam como plantas viçosas e nossas filhas como pedras angulares, lavradas como colunas de palácio (S1 144.12) está em total acordo com o espírito da legislação de Moisés.

Assim era a filosofia política do fundador do Estado Hebreu e assim era a prática daqueles estadistas em tempos posteriores, os quais aderiram de forma mais próxima ao espírito das suas instituições. 1 Pesquisando toda a matéria, a conclusão necessária é que a educação do povo Hebreu era uma educação nacional e digna de imitação por outras nações, mesmo que parte dela fosse conduzida principalmente debaixo do teto da família. 2 De forma especial, ela merece ser estudada e copiada naquele aspecto que consiste em distinguir desenvolvimento de instrução. A lei Hebraica requeria que, desde muito cedo, a criança recebesse um eficiente, vigoroso e constante treinamento de sua disposição, julgamento, maneiras e hábitos de pensamento e de aprendizagem. Os sentimentos considerados apropriados para o homem em sociedade eram administrados juntamente com o leite materno. As maneiras consideradas atrativas no adulto eram cuidadosamente ensinadas e implantadas na infância. Os hábitos considerados favoráveis para o avanço individual, felicidade social, tranquilidade e prosperidade nacional eram cultivados com a mais extrema diligência. Os maiores esforços eram feitos no sentido de levar o jovem Hebreu a familiarizar-se com seus deveres tanto quanto com seus direitos, e isso no âmbito pessoal ou político. Resumindo, o principal canal de pensamento e sentimentos para cada geração era cavado pela geração precedente e a correnteza fluía, quase sempre de forma contínua e estável.

Este sistema de cultura mental e moral para o qual a Constituição Hebraica fez provisão não poderia ser infrutífero. O resultado foi que a nação alcançou o mais elevado ponto de erudição e distinção. Sob o mais esplendido e generoso monarca, os Hebreus apreciaram o que pode ser chamado de era de ouro em sua literatura.

 

Salomão e sua corte eram, em seus dias, o grande centro de atração para aqueles de todas as nações que amavam e honravam o conhecimento. Sua sabedoria excedia toda a sabedoria dos países do Oriente e toda a sabedoria do Egito. Ele falou sobre árvores, cedros do Líbano e até mesmo sobre o hissopo que brotava nas paredes; ele falou dos animais, das aves e dos insetos e peixes. Compôs mil e cinco cânticos e três mil provérbios. E, enquanto ele excedia em diferentes e variados campos da ciência natural, poesia e ética, o templo, que também leva o seu nome, foi levantado diante do mundo, como um monumento de habilidade e bom gosto, que rendeu a ele, em eras posteriores, o título de modelo original de graça, majestade e grandeza em arquitetura. Tais grandezas do mundo intelectual não surgiram do nada. Elas geralmente pertencem a uma constelação e o rei que estabelece tal exemplo não é conhecido por ficar sem seguidores. Havia, de fato, uma característica fundamental na política Hebraica que era preeminentemente favorável, em todos os tempos, ao cultivo do conhecimento. Por divina direção, toda a tribo de Levi foi separada para o serviço da religião e das letras; e enquanto muitos foram empregados diante do altar e no templo, outros foram consagrados ao estudo, muitos dos quais especialmente no reino de Salomão, alcançaram elevado nome, tanto por suas conquistas na ciência de seu tempo e na fidelidade com a qual tornaram seu aprendizado disponível para o benefício do povo. Assim foi produzida aquela feliz conjunção na história do conhecimento, quando a erudição promove a honra do erudito e o erudito traz honra sobre a erudição; quando as mais elevadas conquistas são estimadas não na medida em que dão distinção àquele que as conquistou, mas na medida em que elas tendem a melhorar e abençoar toda a família da humanidade. Entre os Hebreus não havia monopólio do conhecimento por uns poucos favorecidos. Inteligência era pertinente a todos, de modo geral e do tipo adaptável a várias atividades e deveres daqueles entre os quais ela se espalhava. A língua e a caneta, até mesmo dos eruditos reais, eram industriosamente empregadas para dar conhecimento em forma condensada e prática, que poderia trazer o conhecimento para o alcance de todos e torná-lo disponível para a vantagem de todos, para o pastor e o vinicultor, tanto quanto para os filhos dos profetas.

bottom of page